O Outono está a chegar e com ele as memórias e recordações da infância…as tuas filhas estão na escola e tu aproveitas para fazer de memória aquela receita de doce da avó.
Tens uma vaga memória dos passos, não tens a receita, mas guias-te pelas memórias visuais e olfativas. Vamos lá!
Lembras-te da abóbora a ser atirada ao chão e de pensares porque não usar a faca? Começa por aí. A abóbora está aberta. Tira-lhe as “entranhas” com as mãos. Depois tratas da “casca”. Alguidares e panelas e colher de pau tudo em cima da bancada e vamos lá recriar o doce.
Vês-te naquela cozinha, menina de totós a quem dizem: não mechas em nada. Fica quieta. E tu com dificuldade em ficar quieta. Ávida de ouvidos e olhos.
Agora que já conseguiste separar a “casca” da abóbora, vamos lá começar de verdade.
Cresceste e a vida já não se resume àquela cozinha e ao passar das estações que ias sentindo também no olfato pelos cheiros no ar.
Agora és responsável por 2 crianças e pela tua vida. Pelos vazios e pela alegria contagiante de saber que és mãe de crianças felizes na sua inocência infantil e na sua alegria. Sabes que algum dia esse vazio vai ser preenchido, não sabes ainda com quê, nem como.
A abóbora e o açúcar e o pau de canela já estão ao lume. Sentes o cheiro? O olfato leva-te de volta à menina…
A avó era rija, dura e ao mesmo tempo doce. A vida não foi fácil para ela: 3 filhos pequenos e viúva. Teve de se agarrar à vida para sobreviver e lhes dar um futuro melhor que o dela, mas agora talvez já não tão sorridente, pois falta-lhes um dos pilares. Eu felizmente tenho os dois pilares e as minhas crianças também. Não é fácil olhar em volta e sentir que não estás a ter nem a dar o teu melhor em alguns dos aspetos da tua vida. Sabes que devias, mas algo te paralisa.
O cheiro a canela e açúcar e fruta enche a cozinha e espalha-se pela casa. Então lembras-te que é hora de desligar o lume que estava “muito brando” como recomendava a avó. Naqueles tempos era sempre com expectativa que aguardavas o doce ficar pronto e teres autorização para o provar, ainda antes de ser enfrascado. Sensação de conforto, carinho, ciclos que se completavam à medida que crescias.
Amanhã voltas a ligar o lume muito brando para durante mais umas horas apurares o doce.
Lembras-te de ti tão criança e tão cheia de sonhos, de alegria, de felicidade? Agora que cresceste que fizeste desses sonhos? Olhas em volta e de facto, não tens motivos de reclamação: tens um bom emprego, com uma boa situação profissional, tens uma boa casa, a família tem saúde. Então encorajas-te a continuar esperando que as tuas crianças cresçam com saúde e felizes.
Barulho, risos, conversas de gargalhada. Chegaram as crianças. Hora de lhes dar banho e vestirem algo para ficar em casa a brincar até à hora do jantar, a hora de estarmos todos à mesa.
Amanhã terminas o doce e armazenas para mais um outono e inverno juntando-o ao de tomate que também “recriaste” de memória, das memórias da cozinha e das conversas dos adultos na casa da avó…